Sim, bem amada, parceira de alma e de corpo, amiga da vida inteira, você sabe que há noites compridas demais para qualquer sonho. Noites insones, aparentemente intermináveis, que mais parecem não querer acabar nunca mais. Dessas noites de uma singela crueldade.
E você, doce flor do meu suburbano jardim, sabe mais que ninguém ser a passagem de uma noite como essa para a luz do dia ser de uma insônia quilométrica, uma noite que, enjoadamente, não vai embora, meu amor. E que teima em perdurar feito uma lembrança indesejável, um visitante inoportuno.
Talvez eu seja um desses deprimidos sazonais, um distímico de fim de semana, ou simplesmente, um chato de galochas metido a ser o que o ponteiro não marca ou somente um poeta solar que anseia ver o sol nascer mais cedo.
Você sabe que é inútil acender luzes, abrir janelas, contagiar-me com euforia alheia, pois há um inimigo chamado Tempo do qual ninguém escapa impunemente.
Um belo dia, quando menos se espera, todos nós acabamos por pagar o preço, que é sempre mais cruel do que imaginamos. Nem nos damos conta, mas o tempo passa e sem sequer percebermos, o tempo já passou e nós também, como folhas mortas boiando num rio indevassável.
Estar vivo, amanhecer vivo todos os dias, torna-se um verdadeiro e maravilhoso acontecimento, cuja dimensão o dia-a-dia, o rame-rame esmagador do cotidiano nos tira do alcance.
Num determinado momento da vida, ou estamos muito perto da compreensão do tempo e por isso mesmo demasiado longe dela, ou estamos muito longe quando já estamos próximos demais. Tudo se resume a uma questão de ponto de vista, se estamos insuportavelmente alegres ou imensamente tristes.
Raramente vou a festas e vejo as pessoas bêbadas ou cheiradas se abraçando como se saudassem o tempo, como se tudo fosse eterno e nada vão.
E pensam e agem e vivem esquecendo-se de que o tempo é uma Fênix renascendo de nossas cinzas e é a isso que chamamos impunemente de futuro, ah, que santa ingenuidade.
Não tenho medo do futuro. Meu medo é de não poder envelhecer dignamente, não escrever os livros que tenho por escrever, pegar uma doença ruim e de não poder amar você, Sônia Maria, por toda a vida.
Sim, amar você tanto quanto eu desejaria que pudesse. Não tenho medo do futuro, mas de perder você antes que ele chegue e me encontre sem defesas, frágil, a sós com meus fantasmas que habitam o escuro de mim mesmo, sempre à espreita, impiedosamente implacáveis.
(Airton Monte)